domingo, 2 de janeiro de 2011

In Vivo - Capítulo 1

Começando o dia


Estagnado, amarrado a estática do nada, imerso no torpor do sono, embriagado pelo cansaço e entediado pelo fardo de viver esperando o dia de morrer. Esse sou eu quando dorme, quando chego ao final do dia fatigado da dinâmica do universo ao meu redor e vou para meu buraco brincar de jazer. É a hora de dar a alma uma folga desse mundo cão, onde quem sabe, ela vai flanar nas amplitudes do vácuo e retornar a criatura abstrata que eu era antes de nascer, tropeçando às vezes numas imagens rarefeitas e fluídas de um sonho do qual talvez não me lembre ao me levantar.
É chegada hora de levantar a carcaça recém-restaurada pela noite de sono e ir lá fora desempenhar meu papel fútil de mais um na multidão, levantar o pesado fardo de continuar vivendo. A luz em forma de raios amenos e apáticos afugenta a escuridão do meu quarto, como um salteador que vem manhoso furtar meu sono violando meu sepulcro simbólico. Olhando para o lado sou aplacado pelos movimentos narcóticos da hélice do ventilador, pequeno e apoiado sobre um banquinho bronco de madeira. Ele chama minha atenção para imitá-lo: fazendo a mesma coisa da volta anterior, do dia anterior.
Meu irmão sortudo ainda dormia como um morto do lado, sua aula era só de tarde. Gostava de ficar esparramado paralisado no colchão de boca aberta pra cima, era uma cena muito engraçada, parecia coisa de desenho animado. Eu às vezes colocava um monte de objetos equilibrados no rosto dele, só pra ver seu espanto quando acordasse. Já ouvia a voz da minha mãe na porta conversando com as vizinhas, ela sempre acordava cedo. Estava varrendo a calçada como de costume de todas as manhãs, de domingo a domingo, como se fosse acontecer algo terrível se ela passasse um dia sem varrer. Minha mãe adorava vestidos folgados de hippie e deixar o cabelo solto. Ela acordava sempre às cinco da manhã, dizia que ver o pôr-do-sol trazia boas energias para começar o dia, pra mim trazia sono durante o dia todo.
O frio da manhã começa a se dissipar, e o lençol que antes confortava guardando o calor do meu corpo, agora incomodava. Já dava para sentir o calor das multidões nas ruas que se levantam cedo com o objetivo de mover a engrenagem do lucro. As vozes ficam mais altas, o barulho dos motores dos carros esfaqueava a quietude, a poluição parece engrossar no ar e o movimento vinha de todas as formas me invadir.

Finalmente me levando deixando um cheiro mofado de suor e preguiça no colchão. Entro debaixo do chuveiro e enveneno a pele com o choque térmico da água cuja temperatura parece cortar os poros acordando as células do corpo.
-Mãe, já to indo viu? – Dizia eu com meu casco nas costas com os cabelos úmidos e os olhos ainda pesados de sono.
- Teu irmão acordou? – Perguntava ela naquela disposição de gente do campo com a vassoura de piaçava na mão.
- Acho que ele não vai acordar tão cedo... – Ri ao lembrar-se dos brinquedos que deixei espalhado em cima dele.
- Aquilo tem preguiça que chora, deve ter puxado ao pai dele, só pode! – Resmungava ela se lembrando de algo nostálgico.
- Então já vou indo...
- Tá filho, vai com Deus.

O ônibus que eu pego para ir à escola hoje está atrasado vinte minutos, no entanto não dá para ir a pé por causa da distancia, me restando apenas esperar para que ele não se atrase mais.
Após algumas “palavras grandes” que a gente sempre costuma soltar ao vento quando estamos irados e precisamos depender da boa vontade alheia, o ônibus vem surgindo debaixo da pista ao longe e vem chegando abarrotado de gente, metade estudantes. Mesmo pedindo parada bem antes, às vezes ele pára um tanto mais longe de mim como se o freio estivesse gasto, e hoje foi o dia. Caminho lentamente sem pressa de chegar, como se ao invés de atrasado estivesse cedo demais, e a escola nem estivesse aberta ainda, o que não era verdade, àquela hora já havia gente esperando o portão abrir. Todos os que já estavam na lata me olhavam apreensivos, alguns visivelmente estressados, o que é comum nos dias de hoje, eles me encaravam impacientes, o motorista barbudo e gordo como um papai Noel tamborilava os dedos no volante, querendo que eu subisse logo de uma vez, mas não, eu precisava me vingar dessa negligência, pois ele já sabia que todos os dias eu pegava aquele mesmo ônibus, mas mesmo assim às vezes ele me fazia caminhar sem necessidade. Talvez ele me ache um pouco sedentário, ou então um idiota.
Ao subir me deparo com a cena de todas as manhãs dos dias que terminam com feira: uma pilha de caixotes de madeira e bacias com verduras empatando o caminho do corredor, que nos força a desenvolver uma excelente coordenação nas pernas para conseguir ficar perto da janela. Se eu fosse o dono da empresa de ônibus cobraria frete de quem quisesse carregar esse tipo de carga, e até transportaria sofás, mesas, televisores, cadeiras, camas, e outros tipos que coubessem dentro do ônibus e não cheirassem mal. Seria um negócio bastante lucrativo, mas se isso fosse feito realmente, as pessoas deixariam de usar o ônibus para fazer mudanças.
O interessante dentro do ônibus, é que como são sempre as mesmas pessoas que pega ele todos os dias para ir à escola, pro trabalho ou somente resolver assuntos, formam-se círculos sociais que visam discutir sobre assuntos de interesse comum enquanto não chega a hora de descer. No fundo ficam as garotas debatendo sobre homens, moda, novela e alguma banda ou artista “maravilhoso” do qual ninguém irá lembra daqui a alguns meses. Próximo as janelas ficam os garotos pegando vento ou fazendo graça com as pessoas na rua, coisa que não fariam se não estivessem no ônibus, eles gostam de discutir sobre os desenhos que passam no entardecer do dia, animes, futebol, mulheres (inclusive as que estavam dentro do ônibus), som automotivo, piadas de duplo sentido, questionar a masculinidade dos próprios colegas, entre outros. Os velhos ficam na frente, pois o barulho dos estudantes mesclado aos dos celulares era quase insuportável, e creio que numa idade na qual o corpo já está gasto, aqueles exageros da juventude eram perturbadores. Os velhos falavam sobre jornal, política, os netos e as glórias do passado. Nos bancos do meio algumas mulheres já mães comentam sobre despesas, algo barato que viram em algum mercado, filhos, homens, novela e etc. Os homens conversam sobre trabalho antes mesmo de chegar nele, falam sobre as esposas, reclamam dos filhos que tiraram notas vermelhas, futebol, carros, motos e mais algumas coisas. Há também o grupo dos que não possuem nenhum grupo e passam a viagem inteira aguardando à hora de descer, e é desse grupo que faço parte. Normalmente fico na janela em pé tentando encontrar uma forma de me socializar, mas é inútil. Mas todos os grupos possuem uma coisa em comum: chegar ao centro da cidade.
Algumas personalidades no ônibus se destacam, assim como o Seu Toinho, que é um exímio contador de piadas, sabe imitar um zoológico inteiro de animais e ninguém nunca consegue pegá-lo numa piada de duplo sentido, apesar dos garotos tentarem todas as manhãs. Nada era mais fantástico nele do que sua habilidade de praticamente adivinhar onde o ônibus estava sem usar os olhos, uma vez que ele era deficiente visual, diziam até que ele possuía um GPS embutido na cabeça, teoria da qual eu também era partidário. Ele sempre descia na parada dos correios, e antes de se chegar lá, sempre havia algum engraçadinho para tentar enganá-lo.

 - Ei Toinho, já chegou moço. Dizia alguém.
- Calma rapaz! ta mais apressado do que eu? Replicava Seu Toinho.
- Depois não vai dizer que eu não avisei... Blefava a mesma pessoa tentando persuadi-lo.
- Ah! Pensando que o velho aqui é besta? - Ria ele numa fala meio frouxa.        

E todos riam juntos admirados de como ninguém era capaz de passar a perna nele nem nas piadas, nem nos endereços. Seu Toinho era admirado por todos e paquerado pelas garotas, e eu também o tinha como uma pessoa iluminada por enxergar tão bem com os olhos do espírito, coisa que poucos são capazes de fazer.
No grupo das garotas algumas se destacavam pela beleza, como Clarice, uma moça de dezessete anos com estatura mediana, longos cabelos loiros e ondulados adornando um rosto redondo que dispunha de olhos verdes e meigos também arredondados, nariz pequeno de traços infantis, lábios meio carnudos e convidativos que faziam interessante contraste com seu ar de inocente. Seus atributos estéticos corporais mais notáveis para quem a via de costas era sua cintura fina sempre coberta por uma camisa colada e um generoso par de pernas com coxas bem torneadas, mas sem exageros, assim como os seios, que também tinham um tamanho ideal para a sua estatura, e não eram extravagantes como os que se vêem na televisão nos programas de auditório no domingo. Aquele conjunto deixava os marmanjos boquiabertos e as garotas com inveja, e algumas até se achavam a par de disputar com ela, e por isso se enfeitavam todas e usavam roupas provocantes, pois havia um mito feminino de que perto de uma garota bonita, fica-se mais feia. Era uma pessoa educada, tratava todos com respeito, e me trataria assim também se eu fizesse o tipo sociável ou se minha rotina se cruzasse com a dela a ponto de que fosse necessário eu e ela termos certo diálogo por menor que fosse, o que não era o caso, pois éramos de séries diferentes, idades diferentes e escolas diferentes, nós apenas pegávamos o mesmo ônibus para ir à escola, e isso não era o suficiente para duas pessoas obrigatoriamente se conhecerem, apenas ajudava para uma proximidade, o que pra mim não era o suficiente, por isso resolvi abandonar essa idéia.
No grupo dos garotos Mauro era praticamente um porta-voz, tinha uma perspicácia singular para conquistar a simpatia das pessoas, de tal modo que se eu fosse uma foto, ele seria meu negativo. Conseguia dar-se muito bem com as garotas, diferente de alguns daquele mesmo grupo. Ele era coloquialmente conhecido como Mauro “Fodão” pelos amigos, e as garotas o comparavam com os galãs de cinema por seu porte atlético e boa estatura, e também era uma celebridade de peso nos jogos escolares. Eu não gostava dele por um motivo que eu considerava e ainda considero crucial no caráter de uma pessoa: ele adorava rir dos outros.
Desço no ônibus juntos com alguns possíveis colegas de sala rumo à escola desconhecida, meu próximo ecossistema escolar onde estou com minha reputação zerada, ficha limpa. Tenho agora uma folha branca ao meu respeito, ninguém sabe nada de mim, posso fazer tudo diferente, talvez até iniciar um reinado, fazer aliados, alianças e enfrentar qualquer um que se levante contra mim, construindo uma nova reputação.

Livro In Vivo - Sinópse

Sinopse: O livro In Vivo trata de um adolescente de 12 anos do oitavo ano do ensino fundamental, que cansado de sua antiga escola onde era constantemente humilhado e perseguido por garotos mais velhos, vai para uma nova escola onde faz para si mesmo a promessa de se tornar o estudante mais influente dela, tanto entre os professores quanto com os alunos, não pela força e opressão, mas somente pela inteligência. Para isso ele vai encontrar muitos rivais, então ele fará de alguns inimigos novos aliados, se tornará líder de turma, ganhará a confiança dos professores e da diretora e executará planos e armadilhas contra seus inimigos de forma a se tornar o aluno mais influente de sua escola.

O título: O termo In Vivo (Latim: dentro do vivo) significa “o que está dentro ou ocorre dentro de um organismo”. É um termo científico para designar experimentos que fazem o uso de tecidos vivos ou cobaias. Esse título mostra a maneira como o personagem principal vê a vida: ele sendo a cobaia na roda do hamster e as coisas e pessoas ao redor uma arena de testes.

Análise crítica do autor: Esse livro pode ser descrito como uma fusão dos seriados Todo Mundo Odeia o Chris e Prison Break, em que temos o personagem Chris com a mente criativa e aberta de Michael Scofield.